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Anciã

Olho ao lado e uma mulher mira do parapeito uma passagem de moradores desse condomínio. Sempre que ela aparece fica assim, com as mãos juntas apoiada no parapeito com acabamento em granito, e vestindo um leve vestido. Olha pra baixo e às vezes parece enxergar ao redor – mimetizada por sua aparência e idade. Do alto dos seus quase noventa anos, imagino, ela deve ter os conceitos abertos. O amor pra ela deve ter uma definição ampla. Casa também, família talvez. Como na beira de um precipício, ela deve olhar o mundo com olhos leves, como um carro que desce a ladeira ‘na banguela’, deve estar em contato com seu deus, deve fazer preces, ela deve mesmo acordar e dormir rindo, como quem já está no ‘bonus track’. Talvez não, certamente pra ela o mais importante é aquilo que ela é; não o que possui, carrega em seu alforje. Uma mulher que do alto dos quase 100 anos mira em seus bens materiais, tem uma relação frívola com a vida, não? Aí vamos descendo essa faixa etária e vemos que na verdade não temos esse ‘direito’ de sermos vulgares com nosso tempo, nosso núcleo, nosso habitat. A ansiedade é neutralizada quando percebemos que o que temos nas mãos é o nosso tempo e ele nos permite perceber que todo ato que fazemos merece ter seu tempo próprio, que devemos fazer o necessário pra viver, o que se relaciona com nossa sobrevivência, mas também devemos preservar nossa mística, nossa relação com o outro, nosso amor, nosso respeito para com o mistério. Esse tempo pode funcionar como um contraponto na modernidade, como se nos impuséssemos um silêncio, um momento de leitura, um momento de olhar os que estão em volta de nossa cave, sem a espera pelo tocar do telefone, contra as idiossincrasias do consumo, como se nos impuséssemos quase um século, e assim, pudéssemos ver o que realmente é visível ao espírito. Por hoje.

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