Agora vai
A vida, o sonho, o hábito, o rio-tempo, o fundo-real. A sorte.
Ela é esse eterno, pra não dizer o constante ‘agora vai’.
É um eterno sonhar, onde quer que se enxergue o tempo desse sonho. Dele vem a imagem-lembrança de um amigo que se distanciou, da sua família, de possíveis conflitos. Ou de uma lembrança recente, de algo que nos chamou a atenção na tela de led, imagens oníricas de um futuro desejado talvez. Ou ele é isso mesmo, a mistura dos dois, o que somos e o que gostaríamos de viver, nos desprender do passado e ver nosso barco saindo lentamente do cais, mas constante.
Ela traz essa sensação de repetição, assim como as noites, os dias, as refeições, as idas ao banheiro, a padaria, a banca de jornal, ao cigarro, ao remendo do furo do pneu da bicicleta. Se existe uma grande vantagem em ‘levar a vida’ a dois, é a de perceber calmamente, no geral, a passagem dos dias. Tudo se torna um hábito.
Fico a observar discretamente os mais velhos e vejo neles essa sabedoria de deixar-se viver o tempo. A vontade de ter, de ser aventureiro, fugaz, com o tempo deve se esvair, mas não assim tão fácil. Para podermos nos dar o luxo de ‘levitar’ no tempo, devemos nos agarrar ao fundo do rio, segurar o que tiver: areia, algas, e torcer para que nenhum tronco acerte a cabeça. Isso, o tempo é a esfinge para a qual nos olhos não devemos olhar. O tempo é o sol.
Como se fossemos peixes nadando contra a correnteza que nos levará ao mar, devemos fazer com o nosso peito uma ventosa para manter os pensamentos no chão.
Então o que seria a sorte nessa passagem do tempo? ‘Agora vai’, entendi: a sorte é conseguir o que se quer; a conspiração do universo a favor.
‘O ser humano se acostuma a tudo’, disse ele, um pequeno grande amigo. Uma sentença para aquela noite de boemia, um trunfo, um desafio a ser perseguido, um segredo a ser revelado pra própria trajetória.
Querer mudar, querer evoluir financeiramente, pessoalmente, requer uma prática tão constante quanto à rotina. É um querer tornar-se, uma fase provisória rumo a outro lugar, ou a outro modo de vida, mais criativo, mais saudável, sempre geralmente rico.
Uma das coisas que mais me entristecem não é a queda ‘punk’, mas a solidão do que chamamos de disciplina e respeito. Essa ‘prova dos nove’, onde todos parecem ‘fazer sentido’, menos o seu sujeito, angustia a alma, e suscita uma pergunta: o que estou esperando? ‘Agora vai’, entendi: fazer sentido significa ser. Ser, segundo sua ‘lei’, sua vontade, “Estou aqui por que quero”.
Toda vez que eu vejo uma barata vindo em minha direção, eu lembro de Gregor Sansa, aí eu levanto a cabeça e Dinho que não li “A Metamorfose”.
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