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Maestria

Quando eu vinha caminhando pelo condomínio encontrei um cachorro que não tinha coleira nem dono. Conduzia seu rabo com total maestria. Foi um alívio, pois cachorros com donos são muito limitados, a fora alguns que não respeitam donos. Também via as mulheres que limpam o corredor nas segundas e quintas, com maestria parecida com a do rabo do cachorro. Minhas plantas também tinham maestria. A poeira em sua dança também tinha uma maestria oculta em sua vagabunda volta. E de repente descubro que meus movimentos são movimentos maestros, com força de exatidão e com a pretensa tal maestria, que a cada vez que mudava algo de lugar, deixaria os objetos de forma cada vez mais perfeita até que passava por um ‘passo a frente’. Era a conclusão da atividade. Isso, maestria é um conjunto de passos dados até um ponto em que a criação deve estar pronta. E só quem se permite criar pode experimentar tal feito. Jamais largaria então essa idéia, mesmo que mais tarde ela possa se tornar moribunda, aliás, as idéias morrem, viram cadáver, e podem ser sepultadas? Creio que não. Elas devem ficar em um hipertexto, em um link qualquer. Mas moribunda no sentido daquela que segue pra morte, sem medo, mesmo não morrendo. Por outro lado, ouvira uma vez, que, ‘daqui ninguém sai vivo’. Afinal a morte deve ser aceita como um tratado estético, com esse ponto de exatidão, pautado em uma marca d’água pela arte, apenas por ela, a quem se permitir mesmo nos casos rotineiros, de se fazer os mesmos percursos. O tempo é seu papel, e não jamais, a necessidade. No seu poder máximo, a arte, o ato em si é comparável a coragem de andar a esmo, aventurar-se em uma empreitada, sem o receio de perder, sem o receio de dar errado. A vontade não deve ser nunca desperdiçada. O Sol é uma luz que todos os dias mostra, mas nem por isso deve ser negligenciado, talvez em caso apenas de estratégia. A verdade é construída a cada momento e a cada dia. Todo serviço deve ser feito com esmero, isso me disse um amigo. As coisas possuem seu valor a partir de quem as têm. Assim, o que é pouco pra um pode ser o ideal pra outro. O cachorro que anda por aí não espera perder nada, apenas pensa, acredito, em achar um osso, mesmo que esmagado por um caminhão, no meio do asfalto velho. Assim segue a vida de cães e homens. Se a cada momento de alguém pode ele renascer, estamos a todo momento, renascendo, pra algo que pode ser o suficientemente diferente. Olho para aquele amigo que já esteve mal e hoje está melhor, bem melhor, e vejo como fui preconceituoso frente a sua pessoa, sendo que hoje é ele que me ensina a ser alguém melhor, pela nova chance. A solidão nos faz pensar que somos seres animais, animal. Prefiro agora ser este que olho sobre o que parece ser uma chaminé. Diferente dos bem-te-vis, o pombo é menos higiênico, ou então mais despojado, pois suas patas são maiores. Assim eles, os pombos, não conseguem equilibrarem-se em fios finos, fios de telefone, antenas de alumínio. Gostam mesmo é de bases sólidas, cimentos, mesmo que molhados. Sou um pombo, só. Ele me olha antes de eu percebê-lo, e por isso me veio essa idéia de que filosofar é estar só, para poder dar tempo a si, pra perceber onde começamos e a partir de que fazemos ligação com o mundo. Mas também faz com que voemos, nos sintamos maiores que pessoas enjauladas em carros, casas, protejidos e presos. Casas e carros são por princípio proteção e locomoção. E assim, não temos necessidade de ficarmos todo tempo protegidos e nos movendo ordenados. Somos pássaros também, podemos aqui estar e por uma mera frivolidade voar e seguir pra outro filosofar.

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